Letícia Cardosolcardoso@redegazeta.com.brVilmara Fernandesvfernandes@redegazeta.com.brUm esquema de corrupção para desviar recursos provenientes do recolhimento do dízimo foi montado na cúpula da Igreja Cristã Maranata, com o envolvimento de pastores, diáconos e até fornecedores. A ação, identificada em uma investigação da própria instituição, foi parar na Justiça. Nela, aparece o nome do vice-presidente, Antônio Ângelo Pereira dos Santos. Estimativas iniciais da igreja indicam que o rombo é de, no mínimo, R$ 21 milhões. Mas a ação protocolada na Justiça pede o ressarcimento de R$ 2,1 milhões.
foto: Fábio Vicentini
A Igreja Cristã Maranata é uma das que mais crescem no país. Acima, foto do templo na Praia da Costa
A diretoria da Maranata diz que a situação é grave e que já
adotou as providências contra as irregularidades que vinham sendo praticadas. Uma delas foi afastar três pastores e um diácono das funções administrativas e religiosas.
O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual. Em nota, o MP adiantou que os documentos exigem melhor apuração, mas apontam para várias irregularidades e crimes. Diz ainda que, se aproveitando da isenção de tributos que as igrejas possuem e da boa-fé dos fiéis, pastores estariam usando bens da igreja em benefício próprio. A lista de prováveis crimes praticados inclui desvio de recursos para o exterior, criação de empresa irregular, contrabando, fraudes ao Fisco e ao sistema financeiro.
foto: Divulgação
O pastor Antônio Ângelo e o contador Leonardo Alvarenga, vice-presidente e o contador da instituição, respectivamente, são acusados de desvio
Derrame
Cerca de 5 mil templos no Brasil são administrados pelo presbitério da igreja, em Vila Velha, que concentra o dízimo doado no país. O dinheiro foi desviado desse caixa único. A igreja não informa quanto arrecada, mas sabe-se que é a segunda em número de evangélicos no Estado e uma das que mais crescem no país.
O golpe era viabilizado por notas fiscais frias, que permitiam a retirada de valores do caixa da igreja. Segundo documentos obtidos pela Rádio CBN Vitória e pelo jornal A GAZETA, as notas eram emitidas por fornecedores do Presbitério da Maranata. Há indícios de que empresas foram criadas - em nome de laranjas - somente para essa finalidade.
O dinheiro desviado era destinado a um grupo de pastores. Além do nome do vice-presidente, as investigações chegaram ao do contador da Maranata, Leonardo Meirelles de Alvarenga. Eles foram denunciados na ação judicial aberta pela igreja. Há indícios de participação de mais pastores e funcionários. Nas apurações, envolvidos afirmaram que o dinheiro serviria para "ajudar irmãos no exterior".
As informações fazem parte de investigação interna da igreja, que orientou uma auditoria externa, cuja análise preliminar confirma as irregularidades. "Elementos obtidos (...) são contundentes quanto à ocorrência de fraudes e desvios perpetrados pelo vice-presidente e o contador", diz trecho do relatório da auditoria citado na ação judicial.
Parte dos recursos desviados era usada na compra de carros e imóveis e no pagamento de contas pessoais. "Por várias vezes fui orientado a depositar valores na conta do Antônio Ângelo para pagamento de cartão de crédito, prestação de veículos, condomínios, compras de equipamentos", diz um funcionário ouvido na investigação.
Outra parte dos recursos era investida na compra de dólares, diz um empresário no mesmo relatório: "O valor era depositado nas contas das minhas empresas. No mesmo dia, eu comprava os dólares e os entregava no presbitério". Os dólares eram levados para o exterior nas malas de fiéis.
Leia também: Eletrônicos eram contrabandeados na mala de fiéisDestruiçãoPara evitar que a prática dos crimes fosse descoberta, funcionários foram orientados a destruir cópias de recibos. "Fui orientado pelo Antônio Ângelo e pelo Leonardo a destruir todos os documentos, recibos e depósitos que não passavam pelo caixa central do presbitério para não cair em nenhum tipo de fiscalização", relata um funcionário da igreja.
Há informações de que computadores foram formatados para que os rastros dos desvios fossem destruídos. "Os HDs foram corrompidos. Programas de envio de relatórios fiscais por internet (Receitas Federal e Estadual) foram apagados", consta num dos documentos. Outro problema detectado são atrasos na contabilidade da igreja há pelo menos quatro anos.
"Um montante muito elevado, chegando a cerca de R$ 500 mil mensais nos últimos 30 meses e R$ 6 milhões em 2010", relatório da Igreja Maranata sobre os desvios
Trechos da ação
"A igreja pagou um total de R$ 941 mil em notas fiscais que não correspondem a mercadorias efetivamente entregues"
"Relatório elaborado culmina com o prejuízo financeiro para os cofres da igreja equivalente a
R$ 2,1 milhões"
"A senha do contador Leonardo Meirelles lhe dava amplos poderes, alguns dos quais extrapolavam os limites das atividades próprias de contador"
"Verifica-se que documentos emitidos pela empresa do contador Leonardo Meirelles, assim como os registros da contabilidade, foram fraudulentos"
Depois do questionamento, a expulsão
"Fui usado como mula. No ano passado, foram três viagens"
X, 28 anos, frequentava a igreja desde pequeno
"Fui um dos muitos fiéis que transportaram os equipamentos do projeto de videoconferência dos Estados Unidos para o Brasil. Fui usado como mula. Só no ano passado, foram três viagens. Trazia-os em minha bagagem, escondidos no meio das roupas. Nunca foram descobertos pela Alfândega. Após ganhar a confiança dos pastores, fui convidado pelo vice-presidente, Antônio Ângelo Pereira dos Santos, no final do ano passado, para uma outra viagem. Só que desta vez deveria levar
US$ 10 mil, valor máximo permitido para entrada nos Estados Unidos, e entregar a um outro pastor. Nesse dia, percebi que algo estava errado e o questionei sobre a legalidade das ações do Presbitério. Não aceitei levar os dólares e fui comunicado de que seria expulso de todos os trabalhos dentro da igreja."
Fonte: gazeta online